terça-feira, 18 de novembro de 2014

AS RAÍZES DO PASSADO NA CULTURA POLÍTICA DA SOCIEDADE BRASILEIRA - FATOS NA SOCIEDADE - MANDA QUEM PODE, OBEDECE QUEM TEM JUÍZO - HISTÓRIA DA LUTA DOS TRABALHADORES NO BRASIL


AS RAÍZES DO PASSADO NA CULTURA POLÍTICA DA SOCIEDADE BRASILEIRA

Um país com tanta riqueza, tendo grandes literatos, repleto de criatividade de seu povo, com grandes cidades, não encontra um lugar para a maioria da população que vive na exclusão. Isso porque como vimos, desde o descobrimento, a riqueza produzida no Brasil nunca serviu para o seu povo, as camadas populares, ela só existiu para o mercado mundial. Foi para o mercado mundial capitalista que a carnificina se fez presente desde o início da descoberta, como um moinho de matar gente; moendo milhões de índios e depois milhões de negros. Esse foi o projeto da classe dominante no Brasil. E vejamos que, mais uma vez insistimos, a desigualdade e exclusão de ontem se faz presente hoje nas grandes periferias das cidades e nos sertões do país.

No âmbito da sociedade escravocrata os homens livres e pobres, sujeitos ao favor dos senhores proprietários de terras e de engenhos, viviam a sombra de suas dádivas. Essa cultura política que se criou, sobreviveu ao domínio privado das fazendas e engenhos coloniais, sobreviveu à abolição da escravatura, expressou-se no compromisso coronelista (república) e chegou até os dias atuais.

Conforme vimos também, a sociedade brasileira nasce centrada em relações sociais profundamente desiguais, nas quais o outro, não se constitui como sujeito, nem como sujeito de direito, foi assim com o índio, com o negro, com o imigrante e continua sendo com as camadas populares da sociedade brasileira atual, que não por acaso, continua sendo em sua imensa maioria os descendentes dos negros da senzala e dos índios massacrados. Conservando as marcas da sociedade colonial escravista ou da cultura senhorial, a sociedade brasileira vai reproduzir a herança recebida; nela a relação é entre um senhor ou superior que manda, e um inferior, que obedece; um país onde “ou bem se manda, ou bem se pede”. (Sales, 1994, p.27) Essa cultura política do mando e da obediência, que beira a subserviência, chega a nossa república substituindo os direitos básicos de cidadania, que não foram concedidos pelo liberalismo que aqui apareceu no final do século passado (com a República) e que até hoje não se constituiu no país. 

Que ditos populares ou fatos podemos destacar para herança dessa relação entre Senhor/Escravo ou Mando/Obediência, tal como MANDA QUEM PODE, OBEDECE QUEM TEM JUÍZO (nas relações de trabalho, de gênero, raça, etc) - Mando - obediência. 


Fatos na sociedade

As diferenças existentes em qualquer sociedade são transformadas aqui, em profunda desigualdade, reforçando as relações de mando-obediência. Persiste uma cultura política, na qual as relações entre os que se definem como iguais são de compadrio, parentesco, cumplicidade, e entre os que são vistos e tidos como desiguais (inferiores) a relação social passa a ser a do favor, do clientelismo, da tutela; aqueles que mandam, mantém os demais sob sua batuta ao realizar favores para aqueles que nada têm. Ao invés da busca pelo direito, a busca é para que o pedido de algo seja atendido por quem de fato manda na casa, na cidade, no país, como se isso fosse algo profundamente natural. Como se houvesse a necessidade da existência de um grande poder patriarcal. Não esqueçamos também que, quando essa desigualdade é muito acentuada, e principalmente quando o outro lado resiste, a relação social toma a forma nua e crua da opressão, da tortura física e psíquica; tudo em nome da segurança e do bem estar de todos e do país. As divisões de classe, de gênero, de raça, são escamoteadas pela idéia (mito) da nação de um só povo, una, não dividida. Uma sociedade que se fez e que se faz com relações sociais profundamente autoritárias, paternalistas e clientelistas.

As relações que prevalecem em nossa sociedade, não são aquelas públicas fundadas nos direitos conquistados, mas sim, relações privadas (herança do mando e da obediência colonial), o que dificulta a luta pelas conquistas sociais e econômicas. O espaço público é sempre tomado pelos grupos que detém o poder, aos demais restam ou pagar pelos serviços (privatizados) ou ser excluído por não ter recursos. Para os que mandam a lei é sempre privilégio, para os que obedecem, as camadas populares, a lei é repressão. (Chauí, 2000, p. 90) Para compreender isso, basta pensarmos nas pesquisas que mostram quem é a população carcerária do Brasil na atualidade: negros, pobres, jovens, semi-analfabetos ou analfabetos. A lei é severa para aqueles que não podem pagar para fugir do cárcere. No Brasil, as cadeias separam os presos pelo grau de instrução, o que é uma clara evidencia da naturalização da desigualdade.

Há também em nossa sociedade, uma indistinção entre o público e o privado. Persiste entre nós, fruto da herança histórica da colônia, o domínio do privado sobre aquilo que é público. Vejamos que as terras coloniais, conquistadas pelo Rei de Portugal eram doadas aos particulares (capitânias hereditárias) que sob o domínio da burocracia portuguesa administrava os seus interesses particulares e os da Coroa. Essa relação tão comum em nossa sociedade é a forma de realização da política e de organização do Estado em que os governantes são verdadeiros “donos do poder”, que estando nessa posição vão manter relações pessoais de mando, clientela, favor, tutela com os demais sujeitos. Levando em consideração os direitos dos sujeitos, há um encolhimento do espaço público em detrimento dos interesses econômicos privados. (Cf.Chauí, 2000, p.???) Devemos considerar que todo tipo de tutela, proteção, favor, mandonagem (mais uma vez reafirmamos, raízes do passado colonial e do coronelismo republicano) vêm ocupar o lugar de direitos civis inexistentes nas bandas de cá. Isso implica em admitir que as relações sociais no Brasil se estruturam sem a mediação dos direitos, de tal modo que continuam a ser regidas sem limites pelo poder privado, sempre entre o favor e a violência, na recusa do reconhecimento do outro como sujeito portador de direitos sociais.

Vimos até aqui como acontecem as relações sociais entre o público e o privado em nossa sociedade, ou seja, como há uma privatização do espaço público. Reflitamos então sobre como o poder privado define as relações de trabalho, a vida na cidade e no país.

Sob o manto da cultura do Brasil Colônia, as divisões sociais são naturalizadas em desigualdades concebidas como inferioridade natural de alguns grupos/pessoas, como por exemplo, no caso dos trabalhadores pobres, das mulheres, dos negros, dos índios. As diferenças, importantes em qualquer vida social, não são respeitadas, como as de gênero, étnicas e sexuais (homossexuais), permitindo de maneira explícita toda a forma de violência que na maioria das vezes, se quer, são percebidas como algo brutal pela sociedade; as diferenças são transformadas em desigualdades.

Podemos dizer que em nossa sociedade ocorre uma naturalização dos fenômenos sociais, é como se tais fenômenos não fossem criados/produzidos pelo homem (produção cultural). Dizer que alguma coisa é natural, significa dizer que esta coisa existe independentemente da ação e intenção dos seres humanos. 

Vejamos que, em nossa sociedade, a pobreza/miséria é por muitos, naturalmente justificada (“é assim mesmo desde que o mundo é mundo, ou porque “Deus quis assim”), como se não fosse criação cultural dos homens que sob determinadas relações sociais e econômicas promovem a desigualdade social.

Que tipo de preconceito e discriminação social e cultural, fortemente construídas em nossa sociedade, poderíamos citar. Por que as diferenças (gênero, étnicas...) em nossa sociedade transformam-se em desigualdade?

Vemos então, a partir dessa reflexão, que os problemas que enfrentamos na atualidade no país, não são problemas de conjuntura, têm raízes no passado colonial, são problemas estruturais, que dizem respeito à forma como se consolida o Estado e a república brasileira. São essas raízes históricas que mostram como se constituiu a sociedade brasileira, que evidenciam que os elementos econômicos, políticos e culturais inaugurados no passado e que persistem, mantêm intacta as relações sociais estabelecidas na atualidade. Ou seja, o país, em termos econômicos, continua dependente da economia externa; em termos políticos e culturais, continua alimentando a cultura política de práticas baseadas no mando, no favor, na clientela, nas quais o privado prevalece em detrimento do que é público; e por fim, como início e ao mesmo tempo, resultado desse processo, continua promovendo toda espécie de desigualdade econômica e social e excluindo de fato aqueles que constroem o país; as camadas populares.


Os problemas que apontamos no início desse texto são parte desse todo, dessa engrenagem montada no passado e que persiste. Os excluídos de hoje continuam sendo aqueles que não tiveram acesso aos recursos econômicos, educacionais, sociais. São os negros nas periferias, as crianças sem infância, o sem terra no campo, o sem teto na cidade, as camadas populares explorados na relação capital e trabalho. A Senzala de hoje fica um pouco mais distante da Casa Grande, uma vez que as periferias das grandes cidades estão afastadas dos centros. Mas a violência urbana, por exemplo, insiste em mostrar a proximidade desses mundos e a necessidade de rever o tamanho das desigualdades sociais e de toda a exclusão produzida no país, herança de um passado perverso que as classes dominantes insistem em reviver, em nome de suas garantias econômicas e políticas.

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