A REVOLUÇÃO DE 1930, O “ESTADO NOVO” E O SINDICALISMO
DIANTE DA ESTRUTURA SINDICAL CORPORATIVISTA
Como conseqüência da “Crise de 1929” , no plano internacional, o capitalismo
vivia sua maior crise econômica, política e ideológica no início dos anos
30. A Crise desencadeou a depressão da
economia americana e, por conseguinte, a maior recessão econômica do mundo. As
repercussões da crise se prolongaram de maneira dramática nos Estados Unidos
até 1933 e somente em 1939, com a entrada na Guerra, a economia americana
retoma seu ritmo de crescimento semelhante à década de 20. A queda das ações
arruinou os especuladores, reteve a venda a crédito e impossibilitou os que
receberam financiamento de pagar seus débitos, provocando a falência de 4 mil
bancos em três anos. Os preços dos produtos industriais caíram 27% e 85 mil
empresas americanas faliram. O valor da produção nacional americana desceu à
metade dos níveis anteriores a crise. O preço dos produtos agrícolas também
despencou e os agricultores perderam suas terras hipotecadas aos bancos, os que ainda resistiam tiveram que jogar
parte da produção fora para tentar conter a queda dos preços. Foram toneladas
de leite e grãos jogados fora, enquanto a população passava fome. Os
trabalhadores viveram dias sombrios, o desemprego atingiu a cifra de 14 milhões
de desempregados e se constituiu no maior drama social da crise de 1929.
Ninguém foi poupado, trabalhadores qualificados como médicos e engenheiros que
foram obrigados a vender maçãs nas
esquinas das ruas de Nova York para sobreviver e junto com outros trabalhadores
engrossavam as enormes filas para ganhar um prato de sopa e uma fatia de pão.
O liberalismo no aspecto econômico e político foi
duramente atacado pela esquerda e pela direita e viveu sua pior crise. Pela esquerda, os trabalhadores e suas
representações tanto sindicais, como partidárias, especialmente os partidos
comunistas e socialistas saiam a ruas combatendo o capitalismo e pregando o
socialismo. O socialismo na Rússia depois de muitas dificuldades finalmente
começava a conhecer tempos de prosperidade e progresso o que estimulava mais
ainda os comunistas no combate ao capitalismo.
Pelo centro, os sociais democratas defendiam uma maior
regulação do estado na economia e um caráter mais social para o capitalismo
através de políticas públicas de emprego, educação, saúde e habitação.
Criticavam tanto a concepção liberal econômica que idealizava os mercados como
reguladores da economia e limitava a participação dos trabalhadores, como
também viam com reserva a concepção de estado e sociedade socialista colocados
em prática na União Soviética. Defendiam o aprofundamento da democracia e a
humanização do capitalismo e, em troca, renunciavam ao caráter revolucionário e
as formas violentas de transformação social.
Pela direita, surgiam em vários países governos
conservadores e totalitários, que responsabilizavam a democracia e os partidos
pela fraqueza do Estado e pela crise econômica. Pregavam um Estado forte e
centralizador que atendesse aos interesses da Nação sem necessidade de partidos
ou participação política do povo. O alvo principal dos governos de direita era
atacar as organizações de trabalhadores (partidos e sindicatos), pois, a
conjuntura do início dos anos 30, foi marcada pela polarização política entre
esquerda e direita. Desta forma, os representantes da direita, procuravam
eliminar fisicamente a esquerda e, ao mesmo tempo, através da propaganda e da
cooptação tentavam canalizar os descontentamento das massas vitimadas pela
crise econômica para angariar-lhes o apoio popular para o exercício do
poder.
Foi nessa vaga de crise do capitalismo e do liberalismo
que ocorreu “Revolução de 1930” ,
que pelos seus desdobramentos, foi um dos momentos de maior inflexão na
história política do país. 1930 - foi um rearranjo político no interior das
classes dominantes ocasionada por tensões internas aguçadas pela conjuntura
internacional, que deslocou do poder a oligarquia paulista ligada aos
interesses da economia cafeeira. A dissidência oligárquica foi provocada
primeiro por uma decisão do Presidente Washington Luís de romper o acordo com
Minas Gerais que deveriam indicar o seu sucessor, seguindo o jogo de
alternância na presidência entre Minas e São Paulo. Ao insistir na candidatura
do paulista Júlio Prestes, Washington Luis criou as condições para Formação da
Aliança Liberal que lança a candidatura de Getúlio Vargas cuja base de
sustentação eram as oligarquias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba.
Vargas angariou apoio de um importante segmento fora da tradicional aliança
oligárquica que foram os tenentes, que expressavam em grande parte os anseios
de mudanças das camadas médias da sociedade, através dos vários levantes
tenentistas ocorridos na década de 20, conhecido como movimento tenentista.
Numa eleição, ainda, muito marcada pelo “voto de
cabresto”, Júlio Prestes saiu vencedor e, tudo parecia indicar que as coisas
iriam caminhar para a manutenção do
padrão institucional da República Velha. Porém, o assassinato de João Pessoa,
candidato a Vice na Chapa de Vargas, e o acirramento das tensões oligárquicas
por conta da crise de 1929, estimularam os setores de oposição a organizarem um
movimento insurrecional para derrubada de Washington Luís. Vargas, com o
decisivo apoio dos tenentes, lidera um golpe de Estado e assume o Governo
Provisório em 3 de outubro de 1930.
O governo Vargas com apoio dos tenentes e das dissidências
oligárquicas irá promover rupturas
significativas no padrão institucional e político até então vigente. No plano
econômico e Estado assumirá uma função de promotor do desenvolvimento econômico,
criando bases para a elaboração de uma política industrial. No plano político, o Estado assume um papel
mais centralizador, rompendo com o “federalismo tropical” da República Velha,
estruturado sob as bases da “política dos governadores” sob hegemonia da
oligarquia paulista.
Mas a mudança que mais caracterizou as iniciativas do
governo Vargas e que se tornou uma marca indissociável do seu governo e da
própria construção do mito político de Vargas como o “pai dos pobres”, diz
respeito às mudanças nos padrões de relações de trabalho através da implantação
de uma nova legislação trabalhista e sindical. A nova lei de sindicalização
imposta pelo governo de Vargas por meio do decreto nº 19.770, de 19 de março de 1931, que
inaugurava uma prática de intervencionismo estatal sobre a vida interna dos
sindicatos determinava, entre outras coisas, que as organizações de classe só
podiam se filiar a entidades internacionais mediante prévia autorização
ministerial; os estatutos deveriam obedecer às normas predefinidas e serem
submetidos à aprovação ministerial; os sindicatos, federações e confederações
deviam relatar anualmente suas atividades aos órgãos ministeriais; e ao
Ministério do Trabalho cabia conceder ou não o reconhecimento oficial,
fiscalizar as assembléias gerais e a situação financeira dos sindicatos, lavrar
multas pelo descumprimento da lei, fechar o sindicato, a federação ou a
confederação por até seis meses ou promover a sua dissolução definitiva,
podendo destinar o seu patrimônio a entidades de assistência social. (OLIVEIRA,
2002.p 61).
Além da necessidade de reconhecimento do sindicato por
parte do Estado, a legislação também estabelecia a unicidade sindical, ou seja,
somente poderia haver um sindicato por categoria em determinada base
territorial. A unicidade sindical é o sindicato único estabelecido em lei
(Boito Jr, 1991. p. 27). Uma segunda ação decisiva do Estado foi
estabelecimento, também por lei, em 1940, da contribuição compulsória – o
imposto sindical -, extensiva a todos os trabalhadores independente de serem
sindicalizados, ou não.
A grande maioria dos sindicatos combativos e de esquerda
sob influência e orientação dos comunistas, socialistas, anarquistas e
sindicalistas revolucionários foi contrária à estrutura sindical imposta pelo governo
de Vargas. Essa nova legislação mereceu protestos de grande parte do movimento
sindical da época – com exceção do chamado “sindicalismo amarelo”.
Porém, o período de 1933/35 marcará uma grande virada na
relação entre o movimento sindical de esquerda e a recém-criada estrutura
sindical oficial, porque, a partir daquele ano, os sindicatos combativos, com
exceção dos anarquistas, diante da impossibilidade de acabar com a estrutura
oficial, optaram pela atuação por dentro da estrutura, na expectativa de
transformá-la. Isso equivale a dizer que as correntes mais atuantes do
movimento sindical renunciaram à prática de um sindicalismo revolucionário e de
ação direta de “minorias conscientes” para um sindicalismo de “maiorias
potenciais”, levando em conta as vantagens oferecidas pela legislação
trabalhista, sem abrir mão da luta pela democratização da legislação sindical.
Por que a maioria dos sindicatos atuantes no início do
decênio de 1930 não conseguiu impor uma derrota ao projeto sindical do governo
Vargas, mas, ao contrário, acabou se incorporando a ele, ainda que com a
propósito de transformá-lo?
Para responder de maneira breve a uma pergunta tão
complexa, diríamos que três fatores foram fundamentais. Primeiro, a repressão e
perseguição ao sindicalismo que defendia a liberdade e autonomias sindicais e,
portanto, combatia a proposta do governo. Em segundo lugar, a vinculação que o
governo impôs aos trabalhadores entre a adesão à estrutura sindical oficial e o
acesso aos direitos trabalhistas. (Por exemplo, só poderia usufruir do direito
de férias, aquele trabalhador que possuísse a carteira de trabalho, que só
poderia ser emitida pelos sindicatos oficiais reconhecidos pelo governo – uma
vinculação que exigia a adesão automática do trabalhador ao sindicato.) E,
finalmente, em terceiro lugar, a própria avaliação do movimento sindical da
época, de que, para as condições de atraso e autoritarismo reinantes na
sociedade brasileira – e as relações de trabalho não fugiam a essa regra -, a
nova legislação sindical e trabalhista poderia significar um avanço na
conquista de direitos e na defesa dos interesses dos trabalhadores, desde que,
por meio da luta no interior dos sindicatos oficiais, fossem alterados os seus
aspectos negativos e potencializados os positivos.
Em novembro de 1937, Getúlio Vargas, utilizando-se de um
golpe de Estado, no qual foi apoiado por militares, instaura um regime
ditatorial conhecido como Estado Novo (1937 – 1945) que, dentre os muitos atos
autoritários, intervém em diversos sindicatos, nomeando interventores. Alguns
sindicatos, que tinham à frente lideranças combativas, conseguiram driblar a
repressão e mantiveram-se á frente de suas entidades, porém tinham seu espaço
de atuação extremamente limitado pelas circunstâncias políticas. Como uma das
formas de viabilizar o peleguismo sindical, representado pelos interventores
sindicais, foi instituído, em julho de 1940, o imposto sindical compulsório,
conforme mencionamos anteriormente, combinado com uma, para a época, intensa e
sofisticada propaganda. Dessa forma, a “invenção do trabalhismo”, procurava
associar a concessão de direitos trabalhistas às qualidades pessoais de Getúlio
Vargas como líder sensível às necessidades dos trabalhadores e dos mais pobres
em geral, o que foi chamado por alguns estudiosos, como o “mito da outorga”.
Não foi sem motivos que o anúncio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
em 1943, se deu sob um planejado e bem executado espetáculo político dirigido
às massas na comemoração do Primeiro de Maio, no estádio do Vasco da Gama, no
Rio de Janeiro, capital federal da
época. Desta forma, quando promulgada a CLT, praticamente todo o movimento
sindical já estava “adaptado” à nova estrutura sindical e dirigia suas lutas a
partir dela.
Dessa forma, o estado combinava uma legislação sindical
que procurava banir os setores combativos do sindicalismo brasileiro e, ao
mesmo tempo, controlar a ação sindical através da subordinação dos sindicatos
ao Estado. Porém, como vimos essa estratégia de controle foi acompanhada de uma
legislação trabalhista, bastante avançado para os padrões da sociedade
brasileira. Essa legislação foi difundida pelos órgãos de comunicação do
“Estado Novo” como uma dádiva de Getúlio, silenciando toda uma trajetória de
lutas dos trabalhadores por direitos ao longo dos anos, conforme registramos
nas páginas anteriores.
A primeira coisa que chama a atenção na CLT, “alardeada
como a mais avançada legislação social do mundo”, é “o notório e quase
esquizofrênico contraste entre lei e realidade, teoria e prática” (French,
2002.p.25) . Muitos trabalhadores depositavam suas esperanças na nova
legislação trabalhista. Na cidade de Santos, um doqueiro que participava de uma
assembléia sindical, em agosto de 1945, afirmava que as leis trabalhistas
deveriam ser modificadas “porque não eram respeitadas”, no que foi replicado
imediatamente por um colega: “a lei é boa”, propondo então, que se apresentasse
ao Congresso nacional um pedido de “respeito absoluto a CLT, pois os patrões só
seguem à risca os seus interesses, desrespeitando o direito dos trabalhadores”
(Negro & Silva, 2003 p.51 )
A questão colocada acima foi crucial para o movimento
sindical. Ao mesmo tempo em que revelava o abismo entre a lei e a realidade,
colocava para o movimento a necessidade de fazer com que a lei fosse cumprida e
estabelecida à conquista dos direitos garantidos na CLT como um campo de luta
permanente entre o movimento sindical e os patrões. Nesse sentido, a própria
luta reforçava e legitimava o projeto sindical oficial e, não raras vezes, os
sindicatos adotavam como tática apelos diretos e alianças com o governo,
buscando que a lei fosse cumprida. Contudo, quando tais apelos não surtiam os
efeitos desejados, igualmente se recorria às diversas formas de enfrentamento,
inclusive a greve. Em outros termos, numa sociedade como a brasileira, marcada
pelo autoritarismo e repressão no âmbito privado das relações de trabalho, a
legislação trabalhista-sindical na sua complexidade jurídica era acionada pelos
trabalhadores na perspectiva que o mundo da produção pudesse ser regulado por
parâmetros publicamente definidos colocando algum limite no mundo do trabalho
através do domínio da lei.
O desfecho
conservador desse embate social consolidado com o golpe civil-militar de 1964
impediu que os trabalhadores e os setores democráticos e progressistas da
sociedade tivessem seu esforço recompensado politicamente. A derrota de 1964,
porém, não deve nos induzir a conclusões precipitadas no sentido de minimizar
ou subestimar o esforço empreendido pelos trabalhadores e suas organizações e
nem deixarmos de reconhecer que a agenda de lutas e de reivindicações desses
trabalhadores continua ainda muito atual nos dias de hoje, embora já tenha
transcorrido mais de quarenta anos daquela conjuntura política. Talvez esta
constatação nos dê a devida dimensão do quão foi trágico para a sociedade
brasileira o desfecho daquelas lutas.
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