A PERSISTÊNCIA DA EXCLUSÃO
Do outro lado da opressão a resistência de escravos,
libertos e dos verdadeiros abolicionistas, tal como Luiz Gama. Porém, apesar do
desprendimento desses militantes da causa abolicionista e dos milhares de
líderes negros com Zumbi, organizando a resistência nos quilombos e a luta pela
libertação de escravos é preciso lembrar que o processo de abolição da
escravatura permaneceu sob controle dos proprietários de escravos e de seus
representantes no parlamento.
Portanto, não
foi um ato isolado que encerrou a escravidão, tal como a Lei Áurea, mas um
processo com múltiplas determinações, expressão tanto nas ações de resistência
individual ou dos negros organizados quanto na pressão econômica decorrente dos
interesses econômicos da Inglaterra. O
aspecto jurídico constitui apenas parte da história, ou seja, de conjunto de
leis que se sucederam para que a passagem do trabalho escravo para o trabalho
assalariado não saísse do controle dos proprietários de terra, engenho e minas.
Um bom exemplo
dessa transição sob controle dos donos de escravo foi a Lei do Ventre Livre, de
1871. Porém, na prática, os filhos de escravas, nascidos na vigência dessa lei,
tinham que ficar até os 21 anos de idade nos domínios do dono de seus pais.
Outro exemplo é a lei do Sexagenário, que previa a libertação dos escravos
negros que tivessem mais de 60 anos, mas ao mesmo tempo, exigia desse escravo
idoso mais três anos de trabalho gratuito ao senhor, como forma de indenização.
Essa postura
conservadora das elites proprietárias provocou a divisão dos abolicionistas em
duas correntes importantes, a que propunha a abolição lenta gradual e pacífica,
ligada ao jornal A Província de São Paulo, e a corrente radical, com o advogado
e ex-escravo Luiz Gama à frente, que defendia o levante dos escravos contra os
seus senhores, ao mesmo que atuava nos tribunais, onde contabilizou a
libertação de mais de 500 escravos a partir de processos judiciais.
Com o fim do
processo de abolição da escravidão, sem participação dos quilombolas e dos
abolicionistas comprometidos com os direitos civis, termina a exploração
através de trabalhos forçados e tem início a mais perversa exclusão social,
como aponta o trabalho do pesquisador Andrelino Campos, “Do quilombo à favela-
A produção do espaço criminalizado no Rio de Janeiro”.
A formação dos
primeiros núcleos de favelas nas grandes cidades, como Salvador, Rio de Janeiro
e São Paulo, coincide com o processo de abolição da escravatura. Segundo alguns
estudos, a liberdade do negro não foi acompanhada de oportunidade de acesso a
terra, ao contrário, os ex-escravos foram proibidos por lei de ter propriedades
rurais.
Para os
senhores de terra e escravos e para as elites políticas da época, se tratava de
virar a página da história, como se isso fosse possível. Pelo menos é o que
indica a total ausência de políticas de integração do negro na sociedade e na
vida econômica do país e o seu confinamento nas periferias das cidades. Ou
seja, nenhuma indenização, nem acesso à educação ou formação profissional e
muito menos acesso a terra ou à moradia. Portanto, mais que um processo de
exclusão social pode-se falar também em exclusão étnica ou racial.
Porém, nem mesmo os mais conservadores deixam de
reconhecer que essa parcela da nossa população, mesmo sofrendo o que sofreu,
influenciou e continua influenciando a cultura brasileira, ou seja, que
presença cultural da população negra é decisiva na formação da identidade do
povo brasileiro.
Para Darcy Ribeiro, os africanos mergulharam tão
profundamente e de maneira tão inventiva na construção do Brasil que deixaram
de ser eles, para se fazerem nós, os brasileiros. (Ribeiro, 1995).
Para os ideólogos do campo conservador o reconhecimento da
influência cultural dos negros não significa o reconhecimento da dívida social
pelos anos de trabalho forçado. Apenas serve para reforçar o que é chamado de
ideológica da democracia racial, para enaltecer a unidade/harmonia entre as
classes e etnias, a perfeita integração dos povos, sem qualquer menção à
exclusão a que foram submetidos homens e mulheres que fizeram a riqueza das
elites oligárquicas.
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