A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO E DA VIDA DO ÍNDIO E DO NEGRO:
A EXCLUSÃO COMO PRÁTICA
A escravização dos indígenas catequizados pela igreja em
nome de Deus e do Rei, mais rentável que a compra e transporte dos escravos
africanos, ao longo do tempo se tornou inadequada ao empreendimento colonial.
As inúmeras doenças adquiridas no contato com o europeu e
a resistência à cultura imposta pelo branco colonizador não produziram os
resultados esperados pela coroa portuguesa. Para os índios que ocupavam esse
território, a vida era uma tranqüila fruição da existência, numa comunidade
solidária em um ambiente generoso; como diz Darcy Ribeiro:
“uma mulher tecia uma rede ou traçava um cesto com a
perfeição de que era capaz, pelo gosto de expressar-se em sua obra, como um
fruto maduro de sua ingente vontade de beleza; jovens, adornados de plumas
(...) engalfinhavam-se em lutas desportivas de corpo a corpo, em que punham a
energia de batalhas na guerra para viver seu vigor e sua alegria.” (Ribeiro,
1995, p. 47)
Para os portugueses, ao contrário, a existência humana era
determinada por obrigações voltadas para o trabalho subordinado ao lucro,
valores que deveriam ser assimilados pelos nativos.
Do confronto entre europeus com armas, epidemias e
subjugação, de um lado, e indígenas com arco e flechas sem imunidade às novas
doenças, do outro, o resultado foi a dizimação em massa dos povos que, por
milhares de anos, ocuparam uma extensa faixa de terra ao longo do nosso
litoral. A estimativa aponta que cerca 3 milhões de vidas indígenas foram
eliminadas apenas nos dois primeiros séculos de ocupação colonial. As poucas
tribos que sobreviveram nessa área permaneceram ilhadas em territórios ocupados
por populações rurais, sofrendo um importante processo de perda de sua cultura.
Assim, com a escravidão indígena, predominante nos séculos
XVI e XVII, somada à escravidão do negro, o Brasil contabiliza uma história de
mais de 350 anos de trabalhos forçados, que fizeram do Brasil a mais importante
colônia portuguesa, a que mais riqueza transferiu a Portugal e uma das mais
produtivas do mundo, mas que deixou uma herança perversa expressa nas
desigualdades sociais e regionais que precisam ser superadas para que um novo
modelo de desenvolvimento seja possível.
O que tem sido apontado como herança positiva por muitos
historiadores é uma outra face dessa ocupação, qual seja, a miscigenação entre
brancos, índios e negros, que está na base da formação do povo brasileiro.
Primeiro a partir da relação entre os senhores da casa grande e as mulheres
negras da senzala. Depois, em várias regiões do país, entre índios e negros que
trabalharam lado a lado como escravos dos engenhos de açúcar, fazendas de café
das minas de ouro.
Entretanto, como bem sabemos, apesar da intensa
miscigenação ocorrida já no período colonial, os trabalhadores ainda sentem a
forte presença do preconceito e da
discriminação, uma marca das elites políticas e econômicas do país, desde os
primeiros colonizadores até hoje, passando pelos republicanos e liberais
paulistas do século XIX, que afirmavam o ideal liberal trazido da Europa, ao
mesmo tempo em que deixavam de lado, de modo conivente, a questão da
escravidão. Como afirmava Luiz Gama, advogado e destacado militante da causa
abolicionista, sem um amplo movimento de
revolta popular, o meio político saberia manter a escravidão até o extremo
limite do seu esgotamento.
Ou ainda como escreveu Darcy Ribeiro, ao afirmar que
nenhum povo que passasse por essa rotina de vida, através de séculos, poderia
sair dela sem as marcas deixadas dessa experiência vivida. Dizia ele:
Todos nós brasileiros, somos carne da carne daqueles
negros e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão
possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se
conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente
insensível e brutal, que também somos. (...) A mais terrível de nossas heranças
é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e
pronta a explodir na brutalidade racista e classista.” (Ribeiro, 1995, p.120)
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